Era uma vez uma jornalista extremamente competente, que trabalhava em uma emissora de televisão de enorme influência. Consumida pelas altas exigências de seu cargo, a profissional começou a entrar em estado de estafa permanente. Com o passar do tempo, seu corpo passou a enviar sinais de que precisava desacelerar. Queda na imunidade, desordens no trato gastrointestinal, dores dispersas, taquicardias, insônia, depressão e descontrole emocional diante de tarefas usuais. Era a Síndrome de Burnout, nome dado a um estado crítico de esgotamento físico e mental, que acontece por conta de uma vida desgastante e sobrecarregada.
A condição da jornalista progrediu e ela acabou precisando ser afastada por motivos de saúde. Assim que retornou ao cargo, depois de cumprir sua licença médica, ela retornou à emissora e para sua surpresa, após seis anos de muita dedicação ao emprego, foi demitida.
Poderia ser uma dentre tantas outras histórias de injustiça que ocorrem no ambiente de trabalho. No entanto, dada a notoriedade dos envolvidos, a história veio à tona e hoje se encerra com um final feliz, pelo menos para uma das partes. O caso retrata o que viveu Izabella Camargo, apresentadora do quadro de previsão do tempo, do Hora Um, telejornal da madrugada da TV Globo, e aconteceu em outubro de 2018.
Hoje, após decisão da justiça, Izabella se reapresenta à Globo. Leia na íntegra o texto que a jornalista escreveu sobre o que viveu:
O que aprendi com o Burnout
por Izabella Camargo
Você já ouviu alguém falar sobre bullying?
Então, me diga: essa forma de agressão verbal ou física é nova?
Na minha época de escola era zueira, humilhação, etc… Ou seja, bullying é nome novo para situação antiga e depreciativa.
Assim também é com o Burnout. Minha mãe teve estafa e, provavelmente, minha bisavó teve neurastenia, nomes que definem exaustão nervosa, emocional e física. Então, Síndrome de Burnout é nome novo também para uma situação antiga.
Se em 1869, quando o médico George M. Beard escreveu um livro falando sobre a sociedade americana que estava enlouquecida pela modernidade, como explicamos a ironia dessa época que nem energia elétrica tinha? Thomas Édison só inventou o filamento da energia elétrica como a conhecemos hoje em 1879.
O que dizer sobre a velocidade, o excesso de acessos e a competitividade dos novos tempos? Será que Charles Chaplin, em seu “Tempos Modernos” da década de 1930 manteria aquela sequência bizarra em que os trabalhadores tinham que dar conta de uma esteira que só aumentava a velocidade?
Enfim, a história e o cinema nos dão elementos suficientes para compreendermos como chegamos até aqui. A questão agora é: o que faremos a partir daqui? Se a velocidade não vai diminuir e as tecnologias não vão reduzir a marcha, como vamos encontrar limite em um mundo sem limites?
Síndrome de Burnout é isso. É perder o limite pessoal em detrimento do profissional. É errar na mão pela quantidade de trabalho. É achar que nunca vai nos acontecer nada e que a empresa vai te reconhecer quando adoecer.
Uma sociedade 3D: desorientada, distraída e desconectada de si não desenvolve empatia e passa por cima de dores invisíveis como se o ser humano fosse uma máquina que não precisasse de repouso, descanso e intervalo saudáveis entre as jornadas.
O meu caminho até a licença médica que fui obrigada a tirar em agosto de 2018 começou em 2014. Foram 4 anos ignorando os avisos do meu corpo e acumulando dezenas de desequilíbrios físicos até ter uma apagão, ao vivo, no jornal Em Ponto da Globo News.
Os meus avisos nesse período foram: enjoos, tonturas, enxaquecas, dores de estômago, problemas no intestino, manchas na pele, queda de cabelo, hormônios totalmente desregulados, cortisol elevadíssimo por mais de um ano, crises nervosas que terminavam em crises de choro, aumento de problemas cardiovasculares, agressividade, tremedeira nos olhos, taquicardia, falta de ar…
Mesmo com todos esses avisos eu desenvolvi a síndrome de Burnout porque não respeitei meus limites. Isso significa que não tive coragem de dizer não para mais trabalho e mais responsabilidades. Porque achei que “uma hora” eu seria ouvida pelos meus chefes para mudar de horário (por 6 anos e meio eu acordava meia noite, uma ou duas da manhã de segunda à sexta e 2 vezes por mês, em média, trabalhava de 12 a 13 horas no “horário normal”).
Porque achei que “uma hora” meu trabalho seria reconhecido e eu deixaria de acumular funções e jornais. Porque negligenciei sinais do meu corpo por mais de 4 anos. Porque tratei todas as patologias físicas de forma separada e mesmo tendo entrevistado 3 pessoas que tiveram a síndrome de Burnout, não reconheci em mim os sintomas. Porque achei que “um dia” eles iriam levar a sério a quantidade de exames, laudos e conclusões médicas de que o estresse gerado pelo acúmulo de trabalho na madrugada e o excesso de tarefas num curto espaço de tempo estava me adoecendo. Porque não tive coragem de pedir demissão quando ouvi de uma especialista do sono que: “mulheres que trabalham no turno da noite têm 20% mais chances de desenvolver câncer, pessoas que trabalham a noite saem na frente para desenvolver mais de 80 doenças do que quem trabalha de dia, e que dessas doenças, 5 são graves.” Das 5 mais graves, eu já estava tratando 3 havia, pelo menos, 2 anos.
Resumindo: quando as rédeas da sua vida ficam nas mãos de outras pessoas os resultados podem ser bem insatisfatórios.
A boa notícia é que o Burnout é um freio. Não é o fim. É a oportunidade que você ganha para recomeçar, realinhar o trajeto e seguir com sentido. É a chance de descer do trem e pegar outro destino e ser valorizado porque vendemos nossas horas de vida e talento por salário. Essa troca precisa ser saudável, senão não é mais sustentável a médio e longo prazo, porque estamos sobrecarregando o cérebro. Os médicos estão ficando carecas de dizer que saúde mental interfere na saúde financeira, emocional e física.
Vestir a camisa da empresa não é se matar de trabalhar. Não invista sua energia e sua saúde em bater metas que não fazem sentido pra você.
Invista seu tempo em algo que te deixa feliz e valorizado. Algo em que você se sinta respeitado. Essa é a melhor receita para uma vida que vale a pena ser vivida.
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