Desista de tentar rotular Praga. “A Cidade Dourada”, “Paris do Leste”, “Cidade das 100 Cúpulas”; rótulos não definem o que foi construído em milhares de anos de uma história marcada por guerras e conquistas, bem no coração da República Checa. Praga é uma cidade que se desvenda mais pelos sentidos do que pelo intelecto…

Ela se faz ouvir nos ecos de um passado célebre pela música, tendo seu nome ligado aos compositores Bedrich Smetana, Antonín Dvorák e Mozart, que em sua estada por lá terminou uma de suas maiores obras, a ópera Don Giovanni. Praga se insinua por um perfume que mescla o sangue de muitas lutas e batalhas, com o de uma primavera que ainda estava por vir, com o fim do Regime Totalitário. Ela se revela no vislumbre da riqueza de estilos arquitetônicos, impecavelmente preservados ao longo dos anos (por milagre intocada durante as Grandes Guerras Mundiais) e no que pode ser lido dos escritos de Franz Kafka e Rainer Maria Rilke.

Praga se descobre na aspereza de seus inúmeros monumentos dispersos no entorno do Moldávia, para o deleite das mãos que os apalpam; e se saboreia numa xícara de seu inigualável café, no peito de pato com maçãs, no gosto de “quero mais” que nos faz sonhar em repetir o roteiro, antes mesmo de tê-lo completado.

Dividida em bairros, a cidade unifica seu patrimônio cultural. Entre igrejas que vão do barroco ao gótico, às sinagogas do século XIII; palácios imponentes às singelas casas de fachada irregular, e ostentando desde teatros e casas de concertos magníficos até músicos anônimos que tocam por suas vielas, Praga nos enfeitiça e faz esquecer a vida, esquecer o tempo, perder a hora.

Por isso talvez, para nos lembrar que a vida continua, ela tenha tantos relógios em suas torres. O mais famoso deles é o Relógio Astronômico, que data do século XV e fica na torre gótica da Câmara Municipal Cidade Velha, ou Stare Mésto. Todos os dias, das 9 às 21 horas, uma performance de apóstolos, seres alegóricos e um galo, os protagonistas da obra-prima, celebram o passar do tempo para uma multidão de turistas. Diz a lenda, que os vereadores da Câmara mandaram cegar o mestre que o construiu para que ele nunca pudesse fazer uma réplica.

Além do relógio, a igreja Tyn, com suas torres negras góticas, provoca torcicolo nos que ousam avistar os seus limites. Os luxuosos cafés, decorados com tapeçaria fina e lustres de cristal (como o Café Louvre, fundado em 1902, cujos frequentadores mais conhecidos foram Franz Kafka e Albert Einstein), as pequenas lojas que vendem de marionetes à peças em vidro, os hotéis em estilo Art Noveau e os infindáveis monumentos e igrejas que circundam o calçadão da Cidade Velha, formam um cenário peculiar que emoldura centenas de turistas deslumbrados, percorrendo as ruas labirínticas da capital checa como uma procissão em êxtase, louvando sua beleza. Ainda na Cidade Velha, está o bairro Josefstadt, com o gueto e o cemitério judaicos do século XII.

Dentre as diversas pontes que atravessam o Moldávia, destaca-se a Charles Bridge, que liga a Cidade Velha ao Castelo de Praga. Mais do que passagem, a ponte se faz destino final. Com quase 10 metros de largura e 516 de comprimento, no início do século XVIII ela foi decorada por 30 estátuas ou grupos de estátuas no estilo barroco, representando santos, personagens históricas e bíblicas. Em ambos seus extremos a ponte é fortificada por torres; de um lado, a vista deslumbrante do castelo sobre a colina; e igrejas e monumentos espremidos por estreitas ruas de paralelepípedos do outro. Abaixo, cisnes valsando ao ritmo das águas geladas do Moldávia. O que mais poderia um mortal querer vislumbrar de uma ponte?

Na força de sua primorosa ornamentação, a Charles Bridge conta histórias de um passado trágico. Em 1393 o corpo de João Nepomuceno, vicário general do Rei da Boémia, Venceslau IV, foi atirado da ponte. Isso porque ele se recusou a revelar o segredo da confissão da Rainha Sofia (que a oposição cismou em arrancar dele). Na beira da ponte (entre a estátua do S. João Baptista e o grupo de S. Norberto, Venceslau e Segismundo), no lugar exato de onde atiraram o corpo, foi instalada uma cruz de latão com cinco estrelas. Há uma superstição que afirma que quem colocar a palma da mão na cruz, de maneira que cada dedo toque uma das estrelas, terá seus desejos realizados. A tradição explica o tamanho da fila de pessoas que se forma diante do pobre mártir em pedra, à espera do toque abençoado que realize seus milagres.

Saindo da ponte, à partir da esquina de cima da Praça do Bairro Pequeno, Malá Strana, há uma ladeira que conduz ao Castelo de Praga. Essa rua é a famosa Narudova, conhecida pelas ornamentações nas fachadas das casas. Como antigamente não se usava numerar as residências, os moradores construíam símbolos sobre as portas, algo que tivesse relação com sua profissão. As mais famosas fachadas são as dos Três Violinos, a dos Dois Sois, a da Chave Dourada, a do Anjo Branco e a casa do Leão Vermelho.

O Castelo de Praga fica no topo da Colina Hradcany. O maior castelo medieval do mundo já foi a sede dos reis dos países checos e hoje é a sede do presidente da República Checa. A troca da guarda do Castelo pode ser acompanhada diariamente ao meio-dia em frente aos portões do Castelo. Apesar de um pouco longa, vale a pena ser vista. Dentro de seu perímetro, ficam a Catedral de S. Víto, Václav e Vojtech, com a capela e torre, o Antigo Palácio Real, a Basilica de S. Jorge, a Torre de Pólvora e o Beco de Ouro, uma rua estreita com pequenas casinhas, onde viviam os empregados do castelo. A casa 22 foi escritório de Kafka. O tíquete mais barato para visitar o castelo sai por por volta de 10 Euros por pessoa e inclui as principais atrações.

Próximo ao Castelo, no topo da colina, fica o Loreto, um mosteiro estabelecido pela Ordem dos Capuchinhos. Sua principal atração é o carrilhão, com 30 sinos, que a cada hora tocam uma antiga canção dedicada à Virgem Maria. Entre os músicos que tocaram no Loreto, estão Mozart e Ferenc Liszt.

No Nové Město, ou Cidade Nova, estão a estátua de São Venceslau, feita em 1915; o Museu Nacional; o Teatro Tyl, onde estreou a ópera Don Giovanni, de Mozart; o Teatro Nacional, de 1883; igrejas e palácios barrocos.

A Venceslau Square, uma das imagens mais impressionantes que se tem de Praga, foi fundada por Carlos IV, em 1348. Em 1913, na parte de cima da praça foi erigido o monumento com estátua de São Venceslau sobre o cavalo. Foi lá, o palco dos mais importantes momentos da história moderna checa: nela foi proclamada a independência do Estado Checoslovaco em 1918; em 1945 foi ali anunciado o fim da Segunda Guerra Mundial. Em 1969 dois estudantes checos, Jan Palach e Jan Zajíc, queimaram-se vivos na Praça, protestando dessa maneira contra a invasão da Checoslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia. Em Novembro 1989, uma multidão reunida na praça iniciou a “Revolução de Veludo“, que acabou com o poder do regime comunista no país. Hoje, a área é dominada por hotéis e estabelecimentos comerciais.

Mas apesar da Primavera de Praga, nem tudo são flores na cidade. A Venceslau Square, mesmo com toda sua grandeza, é uma área mais popular e, dizem, menos segura, por onde circulam à noite trombadinhas, prostitutas e moradores de rua. As atrações, inclusive igrejas e sinagogas são na grande maioria pagas e os preços dos souvenirs também é bem elevado. Além disso, o povo não pode ser chamado exatamente de cordial, parece haver um “ranço” da Cortina de Ferro na personalidade dos checos, porque apesar de bonitos, eles não sorriem, não são atenciosos e parecem não valorizar o turista.

Tirando esses espinhos de Praga, e com respeito à sua tradição religiosa, penso que a cidade seja a prova de que os deuses pecam também pela vaidade, ostentando bem alto suas belezas douradas, ao leste do mapa, para a cobiça do mundo. Por isso, também me dou ao luxo de pecar, e rotulo essa jóia oriental de “Ego de Deus”, porque foi esse o lugar do globo que me fez crer de fato, que Deus existe!






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