Todos os meninos de nossa tribo são paridos na guerra. Nascem guerreiros sem a menor consciência da luta na qual estão submetidos. Alguns anos são necessários para que comecem a perceber o quanto são instigados a atacar e o quanto precisam se defender. É guerra! Então, os meninos guerreiam contra o inimigo que eles mal conseguem definir. Fabricam suas armas e, à medida que lutam, a voz engrossa, as mãos pesam. Sob o pretexto de construir, aprendem a destruir.
Ao longo dos séculos nossa tribo sedimentou na própria alma o costume e a crença de que um menino somente se torna homem quando aniquila o feminino. Veja: não se trata apenas de subjugar a mulher. Masculino e feminino são realidades de amplitude infinitamente maior. A intervenção humana na natureza talvez seja um bom exemplo dessa diferença. Quando alguém, homem ou mulher, intervém em uma mata fechada é possível afirmar que a força transformadora do masculino está se relacionando com a essência provedora do feminino. Se a intervenção acontece com respeito à natureza e seus limites, integrada com a fonte geradora de vida, o equilíbrio entre os dois polos se mantém. A postura contrária é uma ação predatória.
Meninos que se pensam homens acreditam que são grandes apreciadores do feminino quando, na verdade, são os maiores predadores. Deleitar-se em vaginas de todas as cores ou ser tão fofo a ponto de “entender” as causas feministas não têm nada a ver com ser homem. O homem é uma pessoa íntegra. Ele vivencia com plenitude o masculino e o feminino que o faz. Meninos passam a vida sabotando a própria integridade. Crescem segurando o choro, forçando a barra, batendo cabeça, competindo por competir, agredindo por agredir, trepando sem vínculo, buscando o colo de mamãe. Demoram para perceber ou nunca percebem que todo o esforço para se tornarem homens desceu ralo abaixo no momento em que fizeram do feminino — o próprio feminino — um inimigo. Mais do que detonar o mundo e as relações, meninos se destroem.
O estrago não é pequeno, porém, um guerreiro com propósito firme sempre encontra uma saída. O homem que se dá conta de sua condição infantilizada consegue se desarmar para cessar a destruição. É verdade que num primeiro instante — apenas num primeiro instante — ele se sente fraco e vacilão. Ainda assim, segue adiante em direção à luz. Encontra o coração. Reconhece e valida os próprios sentimentos. Transforma-os em força de expansão. Fica assustado com a percepção de que ele próprio é parte da natureza. Apalpa o seu corpo e vê que é feito de terra. Descobre-se capaz de produzir movimento com o sopro originado nos pulmões limpos. O mar corre vermelho dentro de si.
Quando o fogo ilumina e aquece tudo o que reside no íntimo desse guerreiro, finalmente está pronto para interagir no universo como homem. Honra os seus ancestrais e caminha ereto, masculino e feminino, para abrir o portal de seus desafios. Abre e se surpreende. Não encontra campo de batalha e nem cadáveres empilhados. Há a alegria de homens e mulheres de nossa tribo bailando ao som de povos antigos. Todos estão de braços entrelaçados porque escolheram enfrentar as dificuldades da vida unidos e sincronizados em uma dança circular.
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